quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Anatomia de um incêndio - Quarta Parte

Esta é a quarta parte do post Anatomia de um Incêndio.
Então, como eu ia dizendo no final da terceira parte de Anatomia de um Incêndio, coloquei o capacete do Corpo de Bombeiros e junto com o Tenente, iniciei a subida da rampa que leva a garagem da casa, a garagem nada sofreu, começamos então a subida da escada a direita que dá acesso a casa; logo percebi os primeiros sinais da destruição causada pelo incêndio, nos degraus da escada e no jardim do lado direito de quem sobe, (o lado esquerdo dá para o telhado da garagem), comecei a ver livros parcialmente queimados, cadernos manuscritos (provavelmente da nossa filha mais nova) e alguns papéis ao mesmo tempo queimados e molhados pela água do Corpo de Bombeiros.
E assim fui seguindo, logo tivemos que nos desviar de caibros ainda em brasa; telhas, muitas telhas espatifadas no chão. Viramos a esquerda para entrar pelo portão de madeira que dá acesso a entrada principal da casa (sala) antes uma mesinha de ferro com tampo de vidro, tombada junto com sua cadeira igualmente tombada; milagrosamente o tampo de vidro não se quebrou.
Passamos pelo portão, e na varanda panorâmica muitas telhas, caibros e tijolos quebrados, um pedaço de calha de bronze por onde escorria parte da água do telhado estava no chão a calha de bronze toda retorcida, subimos mais 3 degraus e o Tenente começou a falar:

- Tivemos que arrombar a porta principal para ter acesso a casa, mas acho que será possível consertar.

Entramos enfim na casa (na sala principal), tinha mais ou menos dois dedos de água no chão, muita fumaça e um cheiro indescritível de "incêndio" é um cheiro diferente de uma fogueira, ou de qualquer outra coisa que tenha queimado e que produza cheiro. Só quem é Bombeiro ou adentrou a um incêndio recém apagado pode descrever.
Subimos mais um degrau e viramos a esquerda para seguir para a escada que dá acesso ao segundo andar da casa; reparei que o interruptor automático das luzes da escada (tipo detector de presença) estava no lugar, mas parecia um chafariz, saindo água em um jato forte de uns 10 cm.
Ao subir a escada o cheiro aumentou, as paredes cheias de manchas de carvão algumas se podia notar terem o formato das mãos (com luvas) dos Bombeiros; descendo os degraus água, muita água.
Fomos direto ao sótão.
O sótão era onde ficava toda a instalação hidráulica da casa: Caixa d'água, todos os canos de entrada e saída de água para na caixa, o boiler, bomba hidráulica do boiler, no telhado do sotão as placas do aquecimento solar da água, antena parabólica, antena da TV por Assinatura, todas as principais caixas de passagens da rede elétrica ou seja fios e mais fios, cabos e mais cabos, cabos de antena, cabos de rede (computadores), cabos das câmaras de segurança etc...
Eu e minha esposa havíamos transformado uma boa parte do sótão em um pequeno apartamento, para nossas netas, portanto lá havia cama, armário de roupas, armário de brinquedos das netas, arquivos de documentos empresariais, armário de lembranças de família: fotos antigas das filhas fotos das netas quando eram bebês, muitos documentos que quase não se usam (certidões de nascimentos por exemplo), computador, uma bancada de serviços de confecção de bijouterias da minha esposa e o tal altar espiritual da minha esposa.
Tudo, absolutamente tudo foi destruído: das telhas a caixa d'água, do circulador de ar ao boiler; menos uma coisa, sim, houve uma coisa que nem ao menos chamuscou: O Altar Espiritual da minha mulher; queimou em baixo, queimou acima, queimou dos lados, mas o altar foi a única coisa intacta; ou seja o incêndio não começou ali!
Comentei ao Tenente:

- O Sargento lá em baixo insinuou que o incêndio teria começado no altar da minha esposa...

Ele respondeu:

- De forma alguma! Isso seria impossível! Visto que o altar está incólume.

Perguntei:

- Então como começou? O que causou o incêndio?

- Em minha opinião e da minha equipe, começou ali naquele nicho de fios retorcidos. (apontando para um canto).

Me lembrei que de fato ali haviam muitos fios passando, a maioria eu não fazia a menor idéia de para que serviam.

- A propósito (perguntou o Tenente) o sr. tem seguro?

- Não, não tenho.

- Então não haverá necessidade de laudo oficial.

- Eu não sei Tenente, nunca passei por isso antes.

- Nestes casos não há necessidade de perícia.

Havia de 1/2 metro a 1 metro e 1/2 de escombros. Caminhávamos (se é que se pode chamar isso de caminhada) com muita dificuldade, muita fumaça e alguns pequenos focos de fogo e com certeza muita brasa.

O Tenente falou que a laje ainda poderia ser recuperada com muita dificuldade, disse que haviam milhões de fissuras microscópicas que fariam a laje vazar água para o andar logo abaixo.

Descemos para o segundo andar da casa.

No caminho há uma porta que dá acesso a um alpendre (uma pequena varandinha toda de madeira). E o Tenente disse:

- Tivemos que arrombar esta porta também, para entrar com uma das mangueiras

Entramos no quarto que outrora pertencia a nossa filha mais nova (não morava mais conosco quando do incêndio), novamente água, muita água, no chão, nas paredes, e no teto em forma de goteira. Novamente percebi que as tomadas e interruptores, (assim como os lustres) pareciam chafarizes. Pouquíssimas coisas foram afetadas pelo fogo, mas a fumaça e a água do corpo de bombeiros fizeram um estrago considerável nos cômodos do segundo andar.
Descemos para o primeiro andar, a cozinha estava inundada, a sala de jantar estava com muita fuligem na paredes.

Pedi licença ao Tenente e fui ver o nosso cachorro (um cão da raça Akita ou Grande Cão Japonês). Ele estava muito assustado, abanou levemente o rabo e ficou deitado onde estava; fiz um carinho nele e voltei para o Tenente.

Os outros Bombeiros começaram descer.

Fomos para a varanda panorâmica e olhei para cima e vi que muitos tijolos, telhas e vigas de sustentação do telhado estavam perigosamente prestes a desabar; comentei com o Tenente e ele concordou, deu ordem para um subalterno para acabar de destruir o que estava muito perigoso.

O Soldado meteu a picareta em alguns conjuntos de tijolos e logo depois em uma viga que estava por um fio para cair. A viga caiu uns dez metros e foi certeiramente parar em uma tampa de bueiro de ferro fundido que se partiu em pedaços. Imagine se essa viga caísse numa pessoa desavisada que adentrasse a casa?
O último bombeiro desceu.
Começamos (eu, o Tenente e um Soldado) a tentar trancar as portas arrombadas.
Neste momento, meu telefone celular tocou; era a minha mulher:
- Então? Ainda tenho casa?
- Depois falamos meu amor.
- Só me diga, eu ainda tenho casa?
- Meu amor, não dá para falar agora, logo logo estarei aí com você.
Desligamos.
Demos um jeitinho nas portas, e começamos a descer a escada de acesso a garagem.
CONTINUA...

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