quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Anatomia de um incêndio - Quinta Parte

Esta é a quinta parte da série: Anatomia de um Incêndio.

Então como eu estava contando no final da quarta parte de Anatomia de um Incêndio, eu e o Tenente começamos a descer a escada que nos levaria de volta a alameda do condomínio em frente a nossa casa.
Chegamos a rua e a multidão de vizinhos e curiosos ainda estava lá, porém acrescida de mais alguns componentes. Uma viatura da PM estava nos esperando, ou melhor dizendo Me Esperando.
Mal coloquei os pés fora de casa e fui cercado por dois Policiais, um deles falou:

- O sr. é o dono da casa?

- Sim.

- Qual o seu nome?

- Respondi.

- Não, eu quero o seu nome completo.

- Respondi.

- Onde o sr. estava na hora do incêndio?

- Estava trabalhando.

- Onde?

Mais ou menos neste momento o Tenente do Corpo de Bombeiros interviu:

- O que os srs. estão fazendo aqui? Quem chamou vocês?

Os PM's não reponderam, mas (olhando para mim) disseram:

- O sr. terá que responder a algumas perguntas.

E continuou:

- Quero sua identidade e o seu CPF.

Eu respondi:

- Não está comigo, serve os números? Eu dei de cabeça.

Aí o Tenente do Corpo de Bombeiros se irritou:

- O sr. não tem que responder a pergunta alguma; a presença da Polícia Militar aqui nestas circunstâncias é completamente irregular.

O Tenente tomou as rédeas da situação e se dirigiu aos PM's com firmeza:

- O incêndio aqui não foi criminoso e o imóvel não possui seguro portanto a presença dos srs. é dispensável.

Os PM's ainda esboçaram algum movimento, mas o Tenente apontou para o seu próprio ombro (como que mostrando suas divisas de Tenente) e disse:

- A autoridade máxima aqui nesta ocorrência é do Corpo de Bombeiros e não da PM. (o PM mais graduado era um cabo).

Os PM's deram as costas e foram embora.
O Tenente acompanhou com os olhos os PM's até eles entrarem na viatura; foram embora.

Eu agradeci ao Tenente.

- Tenente, disse eu, nunca poderei agradecer sua atitude.

Ele não disse nada.

Em seguida chegou uma mulher que se apresentou como síndica do condomínio, acompanhada de um homem que esticou a mão para mim, eu retribuí, ele fez menção em me abraçar, não sei porque eu sutilmente me esquivei. Estendi a mão para a síndica (eu não a conhecia pessoalmente) ela não retribuiu, fiquei por alguns instantes com a mão estendida como um bobo.

A síndica se dirigiu ao Tenente do Corpo de Bombeiros e indagou:

- Eu sou a responsável pelo condomínio e gostaria de saber dos perigos e das implicações deste incêndio. Existe o risco de desabar e afetar outras casas?

Neste momento é que eu me lembrei que devíamos meses e meses de condomínio. E neste momento tive a exata dimensão da mesquinhez de alguns seres humanos, ela não olhou para mim, não me dirigiu a palavra e nem ao menos perguntou se eu estava bem.

O Tenente respondeu as perguntas da síndica:

- Não sra. o incêndio já foi debelado, não existe risco para ninguém, porém a sra. como responsável pelo condomínio terá que me acompanhar mais tarde para prestar esclarecimentos sobre questões de segurança do condomínio. Este condomínio está completamente irregular: Não tem brigada de incêndio, os funcionários não tem treinamento para essas eventualidades, não tem hidrantes ou extintores de incêndio ao longo das alamedas, enfim está tudo errado aqui.
O Tenente chamou um subalterno e mandou que ele anotasse o nome e o número da casa da síndica.

A mulher ficou branca, naquele momento eu tive a nítida impressão que ela estava muito mais nervosa que eu. Ela, como se diz, "perdeu completamente o rebolado".

Assim que a sindica se afastou, eu me dirigi ao Tenente e disse:

- Olha Tenente eu só tenho uma coisa e lhe dizer; muito obrigado!

O Tenente nada disse.

Perguntei a ele:

- E agora? O que eu faço?

Ele respondeu:

Aqui já está quase terminado, só vamos acabar de recolher o nosso equipamento e vamos embora, se o sr. quiser ir para conversar com sua esposa, pode ir; só quero conversar particularmente um minutinho com o sr.

Ele me levou para fora do alcance das vistas dos curiosos e disse:

- Olha sr. eu não tenho necessidade de interditar a sua casa; mas eu quero a sua palavra de honra que por no mínimo 15 dias o sr não vai mexer na casa; não quero o sr. aqui tentando reconstruir a casa nem mesmo retirando os escombros.

Eu disse:

- Ok, sem problemas, mas por que?

Ele respondeu:

- O seu relógio de luz foi desligado por nós, toda a instalação elétrica da casa foi comprometida pela água que usamos para apagar o fogo; eu preciso de pelo menos 15 dias para toda esta água descer pela força da gravidade para que o sr. chame um eletricista para começar os trabalhos de reconstrução da sua casa.

Eu disse:

- Tenente; o sr. tem a minha palavra de honra que antes de 20 dias eu não voltarei aqui senão para pegar objetos pessoais e roupas.

Ele retrucou:

Espero poder confiar no sr.

Eu disse que ele podia confiar em mim.

Apertei a mão dele, ele me deu um abraço, que eu retribui emocionado e fui em direção ao meu carro.

Entrei no carro, fechei a porta, liguei o motor, parei por alguns segundos; desliguei o motor, abri a porta e desci do carro. De algum modo o Tenente percebeu e veio em minha direção. Fui até ele e perguntei:

- Tenente, na sua experiência, como se diz para a esposa que a casa dela pegou fogo?

Ele respondeu:

- Não sei, eu assim como o sr. nunca passei por isso; mas se o sr. quiser um conselho eu acho que o sr. deve dizer a verdade sem esconder nada.

Assim, depois de apertar a mão mais uma vez de um dos homens mais honrados, que conheci em toda a minha vida, deixei o local do incêndio e fui me encontrar com a minha esposa.

CONTINUA...

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